02 de Março de 2023 - 09h58

Multiparentalidade: filiação biológica e socioafetiva simultaneamente.

MULTIPARENTALIDADE: FILIAÇÃO BIOLÓGICA E SOCIOAFETIVA SIMULTANEAMENTE.

De início importante salientar que a parentalidade não está ligada apenas aos laços biológicos, ou ao patrão tradicional de família mãe, pai e filhos.

O direito à identidade genética passou a ser reconhecido como direito fundamental integrante do direito de personalidade, o que levou a jurisprudência a aceitar o retorno das partes ao juízo na buscar da identificação da paternidade.

A Constituição Federal no Art. 227 diz:É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (grifo nosso).

No mesmo sentido, a legislaçãoinfraconstitucional reverberando a nossa Carta Magna, especificamente no Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 3º preceitua: “A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, semprejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, emcondições de liberdade e de dignidade.”

Na mesma toada, o artigo 22, do ECA, estabelece que é atribuído aos pais o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, apontando, ainda, o art. 24, da mesma lei, a imposição da perda e a suspensão do poder familiar que serão decretadas judicialmente, emprocedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como, na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o artigo anteriormente citado.

De igual forma, o Código Civil, emseu art. 1.638, inciso II, estabelece a perda do poder familiar da família que deixar a criança em abandono.

Percebe-se que a Constituição Federal, em seu art. 227 e o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 4º, são contundentes em se primar pela busca ao atendimento aos Princípios da Prioridade Absoluta e do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente, sendo eles agora reconhecidos como sujeitos de direitos.

A filiação socioafetiva é desencadeada pelo princípio da afetividade, o qual é implícito na constituição, no qual têm primazia no amor, respeito, afeto e dever de assistir a prole entre os quais participam da relação familiar.

A Multiparentalidade surgiu como possibilidade de sanar a indagação sobre qual o estado de filiação prevalece, a filiação biológica ou a afetiva

Imaginamos o seguinte caso, em que o pai e a mãe se separam, deixam como fruto dessa relação um filho, e essa mãe venha relacionar-se com outra pessoa.

A mãe fica com a guarda do menor e o pai se afasta até porque existe um novo marido, tornando o vínculo afetivo prejudicado, o que não é o recomendado.

O pai afetivo requer o reconhecimento da filiação socioafetiva, alegando que o pai biológico abandonou o filho. Tudo irá depender de prova robusta nos autos, porque a criança tem o direito a manutenção de seu vínculo com seu ascendente biológico, que somente deve ser desfeito de forma excepcionalíssima, fundada no ordenamento jurídico,

O pai socioafetivo poderá ter sua paternidade afetiva reconhecida desde que prove nos autos que consolidou vínculo afetivo com o menor, reconhecendo-o em seu núcleo familiar, desejando a inclusão do sobrenome dele em seu sobrenome para que ficassem iguais.

Deverá ser comprovado ainda, que esse pai incorporou valores próprios de respeito, autoridade, crenças, intrínsecos ao meio em que vive, atendendo as suas condições básicas para o seu bem-estar e desenvolvimento sociopsicológico da criança.

Temos, também, no diapasão do que preceitua o art. 227, § 6º, que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 898.060, comrepercussão geral reconhecida, admitiu a simultaneidade entre as paternidades socioafetiva e a biológica, reconhecendo a ausência de hierarquização dos vínculos, fixando a tese de que: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”.

Assim, se para que se atenda aos superiores interesses das crianças e adolescentes hápossibilidade de haver simultaneidade de filiação biológica e socioafetiva, podendo haver até mesmo dois pais ou duas mães registrais (um biológico e outro socioafetivo), entende-se que a melhor solução a favorável ao a criança ou adolescente.

Ademais, a matéria já foi enfrentada pelo Plenário do Excelso Supremo Tribunal Federal, no caso de conflito entre paternidade socioafetiva e biológica, do qual oportuna a transcrição de excerto da Ementa: (...) A paternidade responsável, enunciada expressamente no art. 226, § 7º, da Constituição, na perspectiva da dignidade humana e da busca pela felicidade, impõe o acolhimento, no espectro legal, tanto dos vínculos de filiação construídos pela relação afetiva entre os envolvidos, quanto daqueles originados da ascendência biológica, sem que seja necessário decidir entre um ou outro vínculo quando o melhor interesse do descendente for o reconhecimento jurídico de ambos

A decisão supracitada, do Pretório Excelso, proferida no Tema 622, fixou a Tese nos seguintes termos: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”

Sendo assim, é possível o reconhecimento simultâneo da paternidade afetiva e biológica, configurando a multiparentalidade, tendo em vista que conforme a sociedade vai evoluindo o direito das famílias segue o mesmo percurso, por mais que, muitas das vezes, anda em passos lentos.

Importante salientar ainda, que o reconhecimento jurídico de dupla paternidade ou dupla maternidade, significa dizer que uma pessoa terá múltiplos pais/mães no status quo do registro civil. Desta forma, o reconhecimento da multiparentalidade acarretará consequências jurídicas advindas do estado de filiação, como: guarda, alimentos e direitos sucessórios.

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