MULTIPARENTALIDADE: FILIAÇÃO BIOLÓGICA E SOCIOAFETIVA SIMULTANEAMENTE.
De
início importante salientar que a parentalidade não está ligada apenas aos
laços biológicos, ou ao patrão tradicional de família mãe, pai e filhos.
O direito à identidade genética passou a ser reconhecido como
direito fundamental integrante do direito de
personalidade, o que levou a jurisprudência a aceitar o retorno das partes ao
juízo na buscar da identificação da paternidade.
A
Constituição Federal no Art. 227 diz:É
dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente
e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação,
à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de
colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão” (grifo nosso).
No
mesmo sentido, a legislaçãoinfraconstitucional reverberando a nossa Carta
Magna, especificamente no Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 3º
preceitua: “A criança e o adolescente
gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, semprejuízo
da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por
outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, emcondições de
liberdade e de dignidade.”
Na
mesma toada, o artigo 22, do ECA, estabelece que é atribuído aos pais o dever
de sustento, guarda e educação dos filhos menores, apontando, ainda, o art. 24,
da mesma lei, a imposição da perda e a suspensão do poder familiar que serão
decretadas judicialmente, emprocedimento contraditório, nos casos previstos na
legislação civil, bem como, na hipótese de descumprimento injustificado dos
deveres e obrigações a que alude o artigo anteriormente citado.
De
igual forma, o Código Civil, emseu art. 1.638, inciso II, estabelece a perda do
poder familiar da família que deixar a criança em abandono.
Percebe-se
que a Constituição Federal, em seu art. 227 e o Estatuto da Criança e do
Adolescente, em seu art. 4º, são contundentes em se primar pela busca ao
atendimento aos Princípios da Prioridade Absoluta e do Melhor Interesse da
Criança e do Adolescente, sendo eles agora reconhecidos como sujeitos de
direitos.
A
filiação socioafetiva é desencadeada pelo princípio da afetividade, o qual é implícito na constituição, no qual têm
primazia no amor, respeito, afeto e dever de assistir a prole entre os quais
participam da relação familiar.
A Multiparentalidade surgiu como possibilidade de sanar a
indagação sobre qual o estado de filiação prevalece, a filiação biológica ou a
afetiva
Imaginamos
o seguinte caso, em que o pai e a mãe se separam, deixam como fruto dessa
relação um filho, e essa mãe venha relacionar-se com outra pessoa.
A
mãe fica com a guarda do menor e o pai se afasta até porque existe um novo
marido, tornando o vínculo afetivo prejudicado, o que não é o recomendado.
O
pai afetivo requer o reconhecimento da filiação socioafetiva, alegando que o
pai biológico abandonou o filho. Tudo irá depender de prova robusta nos autos,
porque a criança tem o direito a manutenção de seu vínculo com seu ascendente
biológico, que somente deve ser desfeito de forma excepcionalíssima, fundada no
ordenamento jurídico,
O
pai socioafetivo poderá ter sua paternidade afetiva reconhecida desde que prove
nos autos que consolidou vínculo afetivo com o menor, reconhecendo-o em seu
núcleo familiar, desejando a inclusão do sobrenome dele em seu sobrenome para
que ficassem iguais.
Deverá
ser comprovado ainda, que esse pai incorporou valores próprios de respeito, autoridade,
crenças, intrínsecos ao meio em que vive, atendendo as suas condições básicas
para o seu bem-estar e desenvolvimento sociopsicológico da criança.
Temos,
também, no diapasão do que preceitua o art. 227, § 6º, que o Supremo Tribunal
Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 898.060, comrepercussão geral
reconhecida, admitiu a simultaneidade entre as paternidades socioafetiva e a
biológica, reconhecendo a ausência de hierarquização dos vínculos, fixando a
tese de que: “A paternidade socioafetiva,
declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de
filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos
próprios”.
Assim,
se para que se atenda aos superiores interesses das crianças e adolescentes
hápossibilidade de haver simultaneidade de filiação biológica e socioafetiva,
podendo haver até mesmo dois pais ou duas mães registrais (um biológico e outro
socioafetivo), entende-se que a melhor solução a favorável ao a criança ou adolescente.
Ademais,
a matéria já foi enfrentada pelo Plenário do Excelso Supremo Tribunal Federal,
no caso de conflito entre paternidade socioafetiva e biológica, do qual
oportuna a transcrição de excerto da Ementa: (...) A paternidade responsável, enunciada expressamente no art. 226, § 7º,
da Constituição, na perspectiva da dignidade humana e da busca pela felicidade,
impõe o acolhimento, no espectro legal, tanto dos vínculos de filiação
construídos pela relação afetiva entre os envolvidos, quanto daqueles
originados da ascendência biológica, sem que seja necessário decidir entre um
ou outro vínculo quando o melhor interesse do descendente for o reconhecimento
jurídico de ambos
A
decisão supracitada, do Pretório Excelso, proferida no Tema 622, fixou a Tese
nos seguintes termos: “A paternidade
socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento
do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos
jurídicos próprios”
Sendo assim, é
possível o reconhecimento simultâneo da paternidade afetiva e biológica,
configurando a multiparentalidade, tendo em vista que conforme a sociedade vai
evoluindo o direito das famílias segue o mesmo percurso, por mais que, muitas
das vezes, anda em passos lentos.
Importante salientar ainda, que o reconhecimento jurídico de dupla paternidade ou dupla maternidade, significa dizer que uma pessoa terá múltiplos pais/mães no status quo do registro civil. Desta forma, o reconhecimento da multiparentalidade acarretará consequências jurídicas advindas do estado de filiação, como: guarda, alimentos e direitos sucessórios.