Gravações ajudam MP a descobrir novas adulterações no leite no RS
Quatro pessoas foram presas em operação
realizada nesta terça (14).
Cinco cidades gaúchas foram alvo; uma pessoa
está foragida.
"Eu
te liguei porque 'temo' um 'pepino' no creme aqui. Tá 5,82 o PH e a acidez
11", diz um investigado. "Faz assim, ó: vai botando soda e mexe,
deixa o PH em 6,30 e alguma coisinha e aí carrega", responde o outro.
Este é um dos trechos das gravações obtidas
pelo Ministério Público durante investigação de três empresas de laticínios na
12ª fase da Operação Leite Compensado, que apura adulteração no leite,
deflagrada nesta terça-feira (14) no Rio Grande do Sul.
Quatro pessoas foram presas durante o
cumprimento de cinco mandados de prisão e quatro de busca e apreensão em Nova
Araçá, na Serra, Casca e Marau, no Norte do estado, e em Estrela e Travesseiro,
no Vale do Taquari. Uma pessoa está foragida.
De acordo com as investigações, os
proprietários das empresas ordenavam a adição de produtos para disfarçar que o
material era impróprio para o consumo.
Os laudos elaborados pelas próprias empresas
eram adulterados para que a fiscalização e os compradores não identificassem os
problemas, aponta o MP.
"São três laticínios investigados,
abrimos a investigação em outubro de 2016. Estavam recuperando o creme de leite
já envelhecido, estragado, botando neutralizantes, enfim, recuperando produtos
já impróprios para consumo", destaca o promotor Mauro Rockenbach.
A previsão é que mais de 40 pessoas deem
depoimento até o final da semana que vem, quando o MP deve apresentar a
denúncia à Justiça da Comarca de Arroio do Meio.
Na indústria Laticínios Modena (nome fantasia
Bonilé), de Nova Araçá, o problema estava na produção de creme de leite. O
produto, impróprio para consumo, recebia adição de água e voltava a ser
comercializado. Dois funcionários da empresa foram presos.
Em Travesseiro, as ações foram feitas na
empresa de laticínios Rancho Belo, onde foram apreendidos documentos e amostras
dos produtos. Segundo o MP, leite in natura e creme de leite industrializado,
já impróprios para consumo, eram levados para o local. Lá, eram adicionados
produtos para controlar a acidez e eliminar os micro-organismos. O material era
embalado e revendido para supermercados.
O dono da empresa em Travesseiro foi preso,
assim como um transportador, já na cidade de Estrela. Além disso, a indústria
teve as atividades suspensas pela Fepam em virtude de irregularidades na
licença de operação e inadequação de descarte de resíduos, entre outros.
Os produtos da empresa iam para a rede de
supermercados Dia%. O chefe do serviço de inspeção do Mapa, Leonardo Isolan,
informou que será feita a rastreabilidade para indicar se há ou não problemas
com o leite da marca e, assim que forem obtidos os resultados, as ações
cabíveis serão adotadas.
"Creme de leite e creme de soro são
matérias primas para a elaboração dos produtos finais, o que significa que as
ações estão cada vez mais preventivas. Já que o índice de conformidade no produto
final é de 99%", apontou.
O funcionário da empresa de Casca, a
Princesul, não se apresentou ao Ministério Público e é considerado foragido.
Nesta empresa, foram localizadas 5 toneladas
de queijo que haviam sido devolvidos por um laticínio de Maceió, Alagoas.
"Os queijos estavam vencidos, impróprios, totalmente sem padrão, e a
devolução de produto era algo comum, já que a própria rede Dia% devolveu muitas
cargas em virtude de problemas com embalagem ou azedos, mesmo dentro da
validade", disse.
O mandado de busca e apreensão cumprido na
M&M Assessoria, contratada pela Laticínios Modena, ocorre porque, de acordo
com relatório do Mapa, em grande parte dos postos de resfriamento e laticínios
onde a empresa atuou, foram constatadas adulterações no leite cru in natura e
em derivados.
A Laticínios Modena disse ao G1 que reuniria
informações antes de fazer um pronunciamento sobre o caso. À reportagem da RBS
TV, a empresa ainda salientou que não tem conhecimento do que se trata a
operação, e nem o motivo de ser investigada.
A Indústria de Laticínios Rancho Belo não
quis se manifestar. Ninguém foi encontrado na Laticínios C&P para comentar
sobre o assunto. O portal ainda não conseguiu contato telefônico com
representantes da M&M Assessoria.
Como funcionava a fraude
Na prática, os três laticínios recebem e
repassam entre si leite cru, creme de leite e soro de creme fora dos padrões
previstos pela legislação brasileira, segundo o MP. Muitas das cargas chegam a
ser refugadas por outras empresas e acabam sendo comercializadas para estas
indústrias.
Alguns elementos da investigação apontam que
carregamentos de leite que só poderiam ter como destino a alimentação de
animais, foram usados para a industrialização de produtos de consumo humano.
Em mais de dez Certificados Técnicos de
Análise emitidos pelo Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (Mapa)
realizados em leite cru, leite UHT e nata, foram detectados índices fora dos
padrões.
Conforme as investigações, os
sócios-proprietários das empresas ordenavam a adição desses produtos para
corrigir a acidez e eliminar micro-organismos, com objetivo de
"rejuvenescer" o produto já vencido, impróprio para o consumo.
No caso da água, ela era adicionada para que
o creme de leite duro, já amanteigado, fosse novamente amolecido e misturado a
outras cargas em condições melhores. Os laudos realizados pelas próprias
empresas eram mascarados, para que tanto a fiscalização quanto os compradores
não visualizassem os problemas, diz o MP.
Fonte: G1 RS