Caso o STF decida que a nova LIA pode ser aplicada
a casos já em andamento sob a antiga legislação, a punição a atos contra os
princípios da administração pública se tornará impossível.
A Transparência Brasil e outras entidades da
organização civil assinaram hoje, 02.ago.2022, uma nota pública contra a
aplicação retroativa da nova Lei de Improbidade Administrativa (14.230/21), que
será votada amanhã pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Caso ocorra decisão
favorável, as alterações feitas na Lei 8.429/92 pelo Congresso Nacional no ano
passado poderão ter efeito nos processos que hoje correm no Judiciário com base
no texto original.
Na prática, se a retroatividade da lei for
admitida, será quase impossível punir a improbidade administrativa, segundo a
nota das entidades. Isso se dá pois os prazos de investigação e de prescrição
dos crimes são menores na nova legislação. Assim, ações contra agentes públicos
por crimes contra os princípios básicos da administração pública que já estavam
em andamento antes da mudança da Lei de Improbidade acabarão sendo encerradas,
gerando impunidade.
As organizações lembram outras mudanças ainda “mais
danosas” feitas na Lei de Improbidade em 2021: a exigência de prova de dolo
(intenção de cometer a ilegalidade), a inimputabilidade do ato culposo, e a
exclusão de crimes que não tenham causado dano ao patrimônio, como assédio
sexual e tortura.
Além da TB, o Instituto Não Aceito Corrupção e o
Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social apontam que a aplicação
retroativa irá agravar o desmonte das ferramentas de combate à corrupção que já
ocorre no Brasil.
NOTA PÚBLICA
O STF analisa nesta quarta-feira, dia 3 de agosto, se as alterações na
Lei de improbidade administrativa (lei 8.429/92) inseridas pela lei 14.230/21
podem ser aplicadas retroativamente. Uma decisão favorável à retroatividade
impactaria os novos prazos de prescrição para a improbidade administrativa bem
como a impossibilidade de punição na modalidade culposa, além da exigência de
prova do dolo específico para responsabilização por improbidades com dano ao
patrimônio público.
Para entender a extensão do estrago que a aplicação retroativa causará,
vale lembrar o que mudou na Lei. Os atos de improbidade são classificados em 3
categorias na lei de improbidade: atos de improbidade com enriquecimento
ilícito; improbidades com dano; e improbidades sem dano. E com as mudanças
aprovadas pelo Congresso, não é mais possível punir essas três categorias
quando elas foram cometidas na forma culposa, mesmo que a culpa seja
gravíssima.
Os prazos de prescrição agora são mais curtos e criou-se até a possibilidade
da prescrição retroativa. Também diminuiu o prazo para conclusão de
investigações pelo Ministério Público.
Também as improbidades que não causarem danos ao patrimônio público não
são mais punidas como antes, somente são punidos aqueles poucos casos previstos
no rol taxativo da lei. Neste contexto, casos de assédio sexual, como os do
ex-presidente da Caixa Econômica Federal, tortura, carteiradas e outros não
mais são puníveis como improbidade.
Assim, eventual decisão do STF que determine a aplicação retroativa da
nova Lei da Improbidade (14230/21) beneficiará incontável número de corruptos e
irá enfraquecer a luta anticorrupção no país. A retroatividade da lei mais
benéfica é efeito restrito ao campo penal, sendo inadmissível para leis civis
ou administrativas, como a lei de improbidade.
O STF, quando do julgamento do Tema nº 1.199, vai decidir se o princípio
da retroatividade da lei penal mais benéfica — baseado no artigo 5º, XL, da
Constituição da República — também se aplica na seara do Direito Administrativo
Sancionador ou, mais especificamente, se a retroatividade benigna se aplica a
processos que estavam em tramitação na vigência da redação original da Lei de
Improbidade Administrativa (LIA).
Se o julgamento do STF reconhecer o direito dos réus à incidência
retroativa será mais um desastroso passo rumo ao desmonte das nossas
ferramentas de combate à corrupção, sendo lamentável a modificação para pior da
Lei da Improbidade Administrativa e da Lei da Ficha Limpa pelo Congresso
Nacional em 2021. Foi um verdadeiro desmonte dessas importantes ferramentas no
combate à corrupção.
As entidades abaixo assinadas se posicionam publicamente contra a
incidência retroativa da lei 14230/21.
São Paulo, 2 de agosto de 2022.
Instituto Não Aceito Corrupção
Transparência Brasil
Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social
Fonte: Instituto Não Aceito Corrupção