O Município, em juízo, é representado pelo
seu Prefeito, regularmente empossado ou pelo Procurador Municipal, advogado
integrante do quadro de pessoal, com poderes para receber citações e intimações
judiciais, conforme prevê o Código de Processo Civil[i].
A representação municipal em juízo
decorre de previsão legal. O Prefeito municipal assume tal condição, eis que
guindado ao cargo por força de mandato eletivo, a partir de sua posse, tendo em
vista o que prevê a Constituição Federal[ii] e, ainda, a Lei Orgânica
de cada Município.
Já o Procurador municipal possui poder de
representação, por força de previsão na lei que instituir o cargo público
respectivo. O poder de representação deve estar explícito na norma instituidora
do cargo, conferindo poderes expressos para receber citações e intimações, para
defender o Município ou para acionar em nome do ente local.
Em regra, o procurador municipal efetivo,
cujo ingresso no serviço público municipal decorre de concurso público, é
reconhecido sem sobressaltos como representante legal do ente municipal. O
comissionado, entretanto, não assume nesta mesma condição e, por vezes, não é
admitido como representante municipal em juízo.
Com a entrada em vigor do novo CPC, esta
celeuma pode ser dirimida, eis que as normas do processo civil devem ser lidas
ou interpretadas com base nas normas, princípios e regras gerais da nossa
Constituição. Esta leitura é feita com base no art. 1º do CPC, o qual estipula
que “o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os
valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República
Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”.
A razoabilidade e a proporcionalidade são
princípios que estão inseridos implicitamente na Carta Magna, constituindo em
valores desta e que se aplicam ao processo civil, obviamente.
Com efeito, o procurador municipal provido em
comissão, cuja lei de instituição do cargo estipule claramente o poder de
representação municipal, pode exercer plenamente este múnus público.
Ora, a CF estipula a forma de criação dos
cargos públicos[iii],
a competência para iniciar tais processos legislativos[iv], ressalva que a
Administração Pública pode contar servidores providos em comissão para as funções
de direção, chefia e assessoramento[v] e, assim, integra o cargo
de confiança como parte do quadro de pessoal do Município.
Nesta linha, observa-se que não se está
criando uma norma legal paralela ao art. 75, inciso III do CPC, mas
efetivamente alargando a sua interpretação, fundando-se essencialmente na
razoabilidade constitucional, para
garantir mais celeridade e normalidade aos processos em que figura como
parte a fazenda pública municipal, pois não são raros os Municípios brasileiros
que ainda não dispõem de procuradorias institucionalizadas e se valem de
serviços jurídicos coordenados por servidores providos em confiança.
Não se descarta portanto o direito
positivado, ou seja aquele criado por decisão do parlamento e sancionado pelo
Poder Executivo, mas trata-se de interpretá-lo de acordo com os valores
inseridos na Carta Magna, conforme, aliás, autoriza o art. 1º do CPC.
Esta interpretação adota a teoria que Luigi
Ferrajoli [vi] denominou de garantista,
segundo a qual “O constitucionalismo rígido, como escrevi inúmeras vezes, não é
então uma superação, mas sim um reforço do positivismo jurídico, por ele
alargado em razão de suas próprias escolhas – os direitos fundamentais
estipulados nas normas constitucionais – que devem orientar a produção do
direito positivo. Representa, por isso, um completamento tanto do positivismo
jurídico como do Estado de Direito: do positivismo jurídico porque positiva não
apenas o “ser”, mas também o “dever ser” do direito; e do Estado de Direito
porque comporta a submissão, inclusive da atividade legislativa, ao direito e
ao controle de constitucionalidade.”[vii]
Com efeito, ressalvadas as peculiaridades
específicas de cada espécie de cargo público: efetivo ou comissionado,
existindo previsão legal, a representação judicial do Município pode ser
exercida por um servidor comissionado, ocupante da função de procurador, porque
tal encontra suporte no art. 1º do CPC em combinação com o princípio da
razoabilidade e da proporcionalidade, implicitamente distribuídos na
Constituição Federal.
[i] Art. 75, III do CPC
[ii] Art. 29, I da CF
[iii] Art. 37, I da CF
[iv] Art. 61, § 1º. II, “a” da CF
[v] Art. 37, II e V da CF
[vi] Luigi Ferrajoli (Florença, 6 de agosto de 1940) é um jurista italiano e um dos principais teóricos do Garantismo, definindo-se a si próprio como um juspositivista crítico.
[vii] FERRAJOLI, Luigi. Constitucionalismo Garantista e Neoconstitucionalismo.
Tradução de A. K. Trindade. Academia Brasileira de Direito Constitucional, p.
99-100.