A
violência doméstica foi por muito tempo vista até mesmo como cultural e
aceitável, tendo em vista a sociedade machista em que vivemos, vivíamos em um
cenário patriarcal, onde o homem tinha direitos e a mulher era meramente serviçal.
São
inúmeros os exemplos de crenças e padrões arraigados que delegam à mulher um
espaço inferior na família e um papel de submissão e dependência, em que a
mulher não precisa, não merece, não pode desejar, não pode opinar.
A
mulher precisa comprovar que tem conhecimento para ser aceita, precisa aumentar
o tom de voz para ser vista e reconhecida na sociedade e, ainda assim, vão ter
julgamentos do tipo: “aquela fulana não sabe nada”, aquela ali tem capacidade”,
tudo com tom pejorativo.
A
Lei Maria da Penha, no seu art. 7, prevê cinco tipos de violência doméstica
como: psicológica, física, moral, patrimonial e sexual, neste artigo vamos nos
ater a violência psicológica.
A
própria criação da citada lei precisou enfrentar um longo percurso para poder
sair do mundo das ideias e se fixar no papel, tendo como expoente o caso de Maria
da Penha Maia Fernandes, após anos suportando agressões do marido.
Certo
é que a violência contra as mulheres é endêmica em todos os países e culturas,
causando danos a milhões de mulheres e suas famílias, e foi agravada pela
pandemia de COVID-19.
Mas,
você sabe como identificar se está sofrendo a violência psicológica?
A
pressão psicológica começa de maneira branda, às vezes um ciúme, privação de
amizades, uso de roupas, mas tudo pode evoluir chegando até a influenciar nas
relações de empregos e uso de celulares e redes sociais.
Geralmente
as mulheres são muito atacadas psicologicamente, atendi casos em que a mulher
era humilhada, não tinha valor nenhum dentro do lar, era totalmente submissa às
ordens do marido e sofria silenciosamente anos após anos em função da criação
dos filhos e da dependência econômica.
A
violência psicológica vai deteriorando aos poucos o emocional da mulher, vai
corroendo, até que a autoestima esteja totalmente abalada, prejudicando e
respingando na educação dos filhos e no relacionamento interpessoal do casal.
Hoje
era uma palavra ríspida, amanhã uma desconfiança que acabava controlando suas
ações e emoções, o cabelo dela já não estava arrumado, as roupas que ela usava
já não agradavam mais e aquele marido que havia se encantado pela jovem de
olhos verdes, deu início em uma perseguição contumaz, com chantagens e ridicularização
da esposa em frente aos filhos e amigos.
Condutas
que atingem o emocional da mulher, capaz de reduzi-la e controlar suas ações e
comportamentos, através de ameaças, humilhações, chantagens e outras tantas
situações cotidianas.
É
uma violência de difícil identificação, pois o dano não é físico, é
psicológico, e a mulher muitas vezes, sente-se tão refém do agressor que nomeia
para ela mesma que está tudo bem, que vai passar, que ele vai mudar, que ela
mesma é a culpada da situação em que se encontra.
Por
exemplo, podem caracterizar violência psicológica atos de humilhação,
desvalorização moral ou deboche público, assim como atitudes que abalam a autoestima
da vítima e podem desencadear diversos tipos de doenças, tais como depressão,
distúrbios de cunho nervoso, transtornos psicológicos, entre outras.
Preste
atenção nesses sinais:
1.
O
agressor nega a verdade;
2.
Usa
o que é precioso pela vítima para ir contra ela. Ex: “Você não é mãe suficiente para cuidar de nosso filho”;
3.
Ele
faz uma coisa e diz outra;
4.
Fala
algo positivo para confundir a vítima;
5.
Tenta
afastar a vítima das pessoas que podem ajuda-la.
Outro
ponto a ser verificado e que pode contribuir para nosso autoconhecimento é que
as expectativas do que vem a ser um “bom casamento” influenciam no momento da
escolha da mulher, na atenção dada a determinados aspectos em detrimento a
outros, isso tudo relacionado ao sistema familiar de origem.
Essa
escolha meio que “seletiva” feita pela mulher, está em conformidade com a
própria história familiar de origem, que geralmente por ser conflituosa, pode
constituir-se numa busca, por meio da repetição de padrões relacionais, de
resolução das situações problemáticas, a fim de agir a boa consciência.
O
relacionamento conjugal vivido reflete a dinâmica de relação dos pais ou avós,
muitas vezes, com a emergência de dramas que revelam dificuldades e segredos do
passado.
As
primeiras décadas do Século XX trouxeram à ciência um novo olhar, um outro
pensamento, chamado sistêmico. De maneira mais abrangente e diversa do
paradigma anterior - chamado cartesiano ou linear, onde a natureza é atomizada,
reduzida a seus elementos mensuráveis, agora o fenômeno ocorre, sendo
sensivelmente sentido pelos integrantes da família mesmo que de forma
inconsciente.
Aplicando
o pensamento sistêmico às famílias, é possível perceber que as relações entre
seus membros, ainda que distantes em tempo e espaço, implicam na visão de mundo
e forma de agir do indivíduo, seja na modalidade de padrões e crenças
aprendidos ou herdados, a chamada herança ou transmissão transgeracional ou de
lealdades parentais inconscientes.
O
que se percebe é que a mulher adulta que sofre violência doméstica encontra
dificuldades de identificar ou nomear a violência que vive cotidianamente, ela
ao contrário, se conforma, aceita e muitas vezes, permite a repetição desse
padrão relacional em sua vida nas relações com os filhos.
Assim,
o mais importante nesse momento atual, onde registram-se aumento de casos cada
dia, é que as autoridades públicas, assistenciais, órgãos de defesa,
professores, psicólogos, terapeutas e profissionais da área, como: advogados,
policiais, juízes e promotores, é trabalhar para que a mulher se torne mais “sensível”
na identificação de padrões de relação caracterizados pela violência.
Além
disso, é importante promover a reflexão sobre estratégias de proteção que
evitem situações de violência, ou quando estas de fato ocorrerem, a mulher
disponha de informações que lhe permitam acionar uma rede de apoio para
auxiliá-la (familiares, vizinhos, delegacias, serviços governamentais, não
governamentais e profissionais como o psicoterapeuta).
Trazer
conhecimento para a mulher, acolher ela e demonstrar que ela não é culpada e
que o normal é ser bem tratada é o caminho da mudança dos sistemas.
Precisamos
fazer com que a mulher se aproprie de seu autoamor, para que ela mesma saiba
identificar um relacionamento tóxico, saiba pedir ajuda e resolver o problema.
JULIANE SILVESTRI BELTRAME
Sócia-proprietária da
Beltrame & Silvestri - Advocacia
ESPECIALISTA EM
DIREITO DAS FAMÍLIAS.