20 de Maio de 2022 - 15h36

​Violência psicológica um mal mascarado que atinge as mulheres

A violência doméstica foi por muito tempo vista até mesmo como cultural e aceitável, tendo em vista a sociedade machista em que vivemos, vivíamos em um cenário patriarcal, onde o homem tinha direitos e a mulher era meramente serviçal.

São inúmeros os exemplos de crenças e padrões arraigados que delegam à mulher um espaço inferior na família e um papel de submissão e dependência, em que a mulher não precisa, não merece, não pode desejar, não pode opinar.

A mulher precisa comprovar que tem conhecimento para ser aceita, precisa aumentar o tom de voz para ser vista e reconhecida na sociedade e, ainda assim, vão ter julgamentos do tipo: “aquela fulana não sabe nada”, aquela ali tem capacidade”, tudo com tom pejorativo.

A Lei Maria da Penha, no seu art. 7, prevê cinco tipos de violência doméstica como: psicológica, física, moral, patrimonial e sexual, neste artigo vamos nos ater a violência psicológica.

A própria criação da citada lei precisou enfrentar um longo percurso para poder sair do mundo das ideias e se fixar no papel, tendo como expoente o caso de Maria da Penha Maia Fernandes, após anos suportando agressões do marido.

Certo é que a violência contra as mulheres é endêmica em todos os países e culturas, causando danos a milhões de mulheres e suas famílias, e foi agravada pela pandemia de COVID-19.

Mas, você sabe como identificar se está sofrendo a violência psicológica?

A pressão psicológica começa de maneira branda, às vezes um ciúme, privação de amizades, uso de roupas, mas tudo pode evoluir chegando até a influenciar nas relações de empregos e uso de celulares e redes sociais.

Geralmente as mulheres são muito atacadas psicologicamente, atendi casos em que a mulher era humilhada, não tinha valor nenhum dentro do lar, era totalmente submissa às ordens do marido e sofria silenciosamente anos após anos em função da criação dos filhos e da dependência econômica.

A violência psicológica vai deteriorando aos poucos o emocional da mulher, vai corroendo, até que a autoestima esteja totalmente abalada, prejudicando e respingando na educação dos filhos e no relacionamento interpessoal do casal.

Hoje era uma palavra ríspida, amanhã uma desconfiança que acabava controlando suas ações e emoções, o cabelo dela já não estava arrumado, as roupas que ela usava já não agradavam mais e aquele marido que havia se encantado pela jovem de olhos verdes, deu início em uma perseguição contumaz, com chantagens e ridicularização da esposa em frente aos filhos e amigos.

Condutas que atingem o emocional da mulher, capaz de reduzi-la e controlar suas ações e comportamentos, através de ameaças, humilhações, chantagens e outras tantas situações cotidianas.

É uma violência de difícil identificação, pois o dano não é físico, é psicológico, e a mulher muitas vezes, sente-se tão refém do agressor que nomeia para ela mesma que está tudo bem, que vai passar, que ele vai mudar, que ela mesma é a culpada da situação em que se encontra.

Por exemplo, podem caracterizar violência psicológica atos de humilhação, desvalorização moral ou deboche público, assim como atitudes que abalam a autoestima da vítima e podem desencadear diversos tipos de doenças, tais como depressão, distúrbios de cunho nervoso, transtornos psicológicos, entre outras.

Preste atenção nesses sinais:

1. O agressor nega a verdade;

2. Usa o que é precioso pela vítima para ir contra ela. Ex: “Você não é mãe suficiente para cuidar de nosso filho”;

3. Ele faz uma coisa e diz outra;

4. Fala algo positivo para confundir a vítima;

5. Tenta afastar a vítima das pessoas que podem ajuda-la.

Outro ponto a ser verificado e que pode contribuir para nosso autoconhecimento é que as expectativas do que vem a ser um “bom casamento” influenciam no momento da escolha da mulher, na atenção dada a determinados aspectos em detrimento a outros, isso tudo relacionado ao sistema familiar de origem.

Essa escolha meio que “seletiva” feita pela mulher, está em conformidade com a própria história familiar de origem, que geralmente por ser conflituosa, pode constituir-se numa busca, por meio da repetição de padrões relacionais, de resolução das situações problemáticas, a fim de agir a boa consciência.

O relacionamento conjugal vivido reflete a dinâmica de relação dos pais ou avós, muitas vezes, com a emergência de dramas que revelam dificuldades e segredos do passado.

As primeiras décadas do Século XX trouxeram à ciência um novo olhar, um outro pensamento, chamado sistêmico. De maneira mais abrangente e diversa do paradigma anterior - chamado cartesiano ou linear, onde a natureza é atomizada, reduzida a seus elementos mensuráveis, agora o fenômeno ocorre, sendo sensivelmente sentido pelos integrantes da família mesmo que de forma inconsciente.

Aplicando o pensamento sistêmico às famílias, é possível perceber que as relações entre seus membros, ainda que distantes em tempo e espaço, implicam na visão de mundo e forma de agir do indivíduo, seja na modalidade de padrões e crenças aprendidos ou herdados, a chamada herança ou transmissão transgeracional ou de lealdades parentais inconscientes.

O que se percebe é que a mulher adulta que sofre violência doméstica encontra dificuldades de identificar ou nomear a violência que vive cotidianamente, ela ao contrário, se conforma, aceita e muitas vezes, permite a repetição desse padrão relacional em sua vida nas relações com os filhos.

Assim, o mais importante nesse momento atual, onde registram-se aumento de casos cada dia, é que as autoridades públicas, assistenciais, órgãos de defesa, professores, psicólogos, terapeutas e profissionais da área, como: advogados, policiais, juízes e promotores, é trabalhar para que a mulher se torne mais “sensível” na identificação de padrões de relação caracterizados pela violência.

Além disso, é importante promover a reflexão sobre estratégias de proteção que evitem situações de violência, ou quando estas de fato ocorrerem, a mulher disponha de informações que lhe permitam acionar uma rede de apoio para auxiliá-la (familiares, vizinhos, delegacias, serviços governamentais, não governamentais e profissionais como o psicoterapeuta).

Trazer conhecimento para a mulher, acolher ela e demonstrar que ela não é culpada e que o normal é ser bem tratada é o caminho da mudança dos sistemas.

Precisamos fazer com que a mulher se aproprie de seu autoamor, para que ela mesma saiba identificar um relacionamento tóxico, saiba pedir ajuda e resolver o problema.

JULIANE SILVESTRI BELTRAME

Sócia-proprietária da Beltrame & Silvestri - Advocacia

ESPECIALISTA EM DIREITO DAS FAMÍLIAS.

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