Não é
de hoje que sabemos que as relações familiares não são um mar de rosas, muito
menos que não existem divergências de opiniões entre o casal.
O
homem e a mulher e também casais do mesmo sexo, experimentam o vínculo de forma
muito profunda quando se relacionam. Este movimento é que permite que ambos
deixem sua família para criar a sua própria e assim começar uma nova história.
Pesquisas
realizadas no Brasil demonstram que tem sido cada vez menor a aceitação social
de que a violência no seio familiar contra a mulher é de natureza privada e
que, por tal razão, sua solução está restrita aos membros envolvidos no
conflito.
Em 2011 numa pesquisa realizada pelo Instituto Avon revelou
que: 63% dos entrevistados que conheciam uma vítima de violência contribuíram
de alguma forma para ela sair dessa situação; 37% conversaram com a vítima; 26%
indicaram ajuda jurídica/policial/serviço e somente 19% declararam que não se
deve interferir nessas situações.
Não obstante a evolução do novo posicionamento da
sociedade frente ao tema, há, ainda, na doutrina e na jurisprudência
predominante, entendimentos no sentido de afastar a intervenção estatal em tais
casos. Dentre os principais argumentos, podem-se destacar: direito à
privacidade das partes, diante do processo crime; proteção da família diante do
processo judicial; respeito e a vontade da mulher, direito à privacidade
colhida pela Constituição Federal e outros posicionamentos.
Em 18 anos na Advocacia, vários deles dedicados ao
Direito das Famílias, atendi muitas mulheres que sofreram violência física,
psicológica, patrimonial e, nestes atendimentos, ouvi tristes relatos, acompanhei
os melindres dos conflitos familiares, analisei fotografias e vídeos que mais
pareciam cenas de filmes hollywoodianos que chocavam e faziam refletir até onde
o ser humano pode ir para fazer cumprir uma ordem do ego, da emoção, do ciúme e
da raiva.
Importante salientar nesse ponto, que durante muito
tempo a ideia de natureza privada da violência contra a mulher foi responsável,
em grande parte, pelo encobrimento desse tipo de problema, afastando assim a
plena e eficiente discussão sobre o tema que afeta várias famílias brasileiras.
Sabemos que desde a época em que o marido tinha o
“direito de comandar” a mulher até os dias atuais, em que a nossa Carta
Magna determina a igualdade entre os sexos, avanços efetivos foram
sentidos, mas ainda há muitas circunstâncias de convivência igualitária a serem
socialmente construídas, paradigmas a serem quebrados e preconceitos destruídos.
Quando falamos de autoridade e de poder masculinos
sabemos que durante anos representaram a base estruturante da família, mas hoje
cedem lugar para outras composições, dita mais humanizadas em que cada um dos
seus membros é havido como sujeito autônomo de direito e que podem buscar a sua
identidade, seus desejos e sonhos.
Somente quando se superar a compreensão do problema
como sendo de ordem privada, e se o elevar ao status de questão coletiva, é que
se poderá obter a visibilidade necessária ao fenômeno da violência de gênero
que afeta diariamente vários lares.
O homem não é mais importante do que a mulher, assim
como a mulher não é mais importante do que o homem. Eles são equivalentes. Sem
qualquer uma das partes, o relacionamento inexiste
Esta nova percepção merece e tem urgência de
repercutir na família, na sociedade, na polícia, nas escolas e nos três poderes
do Estado para que possamos evoluir e saímos do individualismo, galgando
melhores espaços para construir uma família igualitária.
O que hoje ainda é um padrão normal de
relacionamento entre os sexos requer ser percebido como um obstáculo à completa
igualdade de direitos.
Nesse interim, atua em nossos relacionamentos a lei
do equilíbrio, e quando somos impedidos de exercer uma troca equilibrada, nos
sentimos pressionados a buscar a compensação que muitas vezes distorce toda a
relação familiar.
Os atuais esforços legislativos são louváveis e
tentam minimizar este mal. Inclusive, a Lei 14.188/2021 criou o chamado
programa sinal vermelho, alterando o Código Penal em seu art. 129 e criando o
art. 147-B, criando novo tipo penal de violência psicológica.
Por enquanto, o assunto é atual, relevante e necessita
de diálogos debates e reflexões.
Por isso, continuo dizendo que: diante de briga de
marido e mulher, meta a colher.
Juliane Silvestri Beltrame
OAB/SC 21.198
Especialista em Direito das Famílias