08 de Abril de 2022 - 09h53

​Briga de marido e mulher se mete a colher?

Não é de hoje que sabemos que as relações familiares não são um mar de rosas, muito menos que não existem divergências de opiniões entre o casal.

O homem e a mulher e também casais do mesmo sexo, experimentam o vínculo de forma muito profunda quando se relacionam. Este movimento é que permite que ambos deixem sua família para criar a sua própria e assim começar uma nova história.

Pesquisas realizadas no Brasil demonstram que tem sido cada vez menor a aceitação social de que a violência no seio familiar contra a mulher é de natureza privada e que, por tal razão, sua solução está restrita aos membros envolvidos no conflito.

Em 2011 numa pesquisa realizada pelo Instituto Avon revelou que: 63% dos entrevistados que conheciam uma vítima de violência contribuíram de alguma forma para ela sair dessa situação; 37% conversaram com a vítima; 26% indicaram ajuda jurídica/policial/serviço e somente 19% declararam que não se deve interferir nessas situações.

Não obstante a evolução do novo posicionamento da sociedade frente ao tema, há, ainda, na doutrina e na jurisprudência predominante, entendimentos no sentido de afastar a intervenção estatal em tais casos. Dentre os principais argumentos, podem-se destacar: direito à privacidade das partes, diante do processo crime; proteção da família diante do processo judicial; respeito e a vontade da mulher, direito à privacidade colhida pela Constituição Federal e outros posicionamentos.

Em 18 anos na Advocacia, vários deles dedicados ao Direito das Famílias, atendi muitas mulheres que sofreram violência física, psicológica, patrimonial e, nestes atendimentos, ouvi tristes relatos, acompanhei os melindres dos conflitos familiares, analisei fotografias e vídeos que mais pareciam cenas de filmes hollywoodianos que chocavam e faziam refletir até onde o ser humano pode ir para fazer cumprir uma ordem do ego, da emoção, do ciúme e da raiva.

Importante salientar nesse ponto, que durante muito tempo a ideia de natureza privada da violência contra a mulher foi responsável, em grande parte, pelo encobrimento desse tipo de problema, afastando assim a plena e eficiente discussão sobre o tema que afeta várias famílias brasileiras.

Sabemos que desde a época em que o marido tinha o “direito de comandar” a mulher até os dias atuais, em que a nossa Carta Magna determina a igualdade entre os sexos, avanços efetivos foram sentidos, mas ainda há muitas circunstâncias de convivência igualitária a serem socialmente construídas, paradigmas a serem quebrados e preconceitos destruídos.

Quando falamos de autoridade e de poder masculinos sabemos que durante anos representaram a base estruturante da família, mas hoje cedem lugar para outras composições, dita mais humanizadas em que cada um dos seus membros é havido como sujeito autônomo de direito e que podem buscar a sua identidade, seus desejos e sonhos.

Somente quando se superar a compreensão do problema como sendo de ordem privada, e se o elevar ao status de questão coletiva, é que se poderá obter a visibilidade necessária ao fenômeno da violência de gênero que afeta diariamente vários lares.

O homem não é mais importante do que a mulher, assim como a mulher não é mais importante do que o homem. Eles são equivalentes. Sem qualquer uma das partes, o relacionamento inexiste

Esta nova percepção merece e tem urgência de repercutir na família, na sociedade, na polícia, nas escolas e nos três poderes do Estado para que possamos evoluir e saímos do individualismo, galgando melhores espaços para construir uma família igualitária.

O que hoje ainda é um padrão normal de relacionamento entre os sexos requer ser percebido como um obstáculo à completa igualdade de direitos.

Nesse interim, atua em nossos relacionamentos a lei do equilíbrio, e quando somos impedidos de exercer uma troca equilibrada, nos sentimos pressionados a buscar a compensação que muitas vezes distorce toda a relação familiar.

Os atuais esforços legislativos são louváveis e tentam minimizar este mal. Inclusive, a Lei 14.188/2021 criou o chamado programa sinal vermelho, alterando o Código Penal em seu art. 129 e criando o art. 147-B, criando novo tipo penal de violência psicológica.

Por enquanto, o assunto é atual, relevante e necessita de diálogos debates e reflexões.

Por isso, continuo dizendo que: diante de briga de marido e mulher, meta a colher.


Juliane Silvestri Beltrame

OAB/SC 21.198

Especialista em Direito das Famílias

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