06 de Maio de 2022 - 13h27

​FAMÍLIAS LÍQUIDAS A família mudou e sempre vai mudar.

FAMÍLIAS LÍQUIDAS

A família mudou e sempre vai mudar.

Ocorre que de uns tempos para cá, tudo se transforma do dia para noite, e em um piscar de olhos mais uma família é dissolvida.

Para uma advogada familiarista, realizar um divórcio por semana já virou rotina, apesar de buscar o meio sistêmico para mudar esse padrão, ou tentar minimizar os números.

A família nasceu da ideia de que os seres vivos se unem e criam vínculos uns com os outros desde sua origem, seja em decorrência do instinto de perpetuação da espécie, seja pelo desejo de não viver só, a ponto de se ter por natural, muitas vezes, a ideia de que a felicidade só pode ser encontrada a dois.

A religião também influenciou a construção da família e da instituição casamento, o certo é que tudo é na base da escala, ou seja, ora com raízes no período da barbárie, ora o da selvageria, ora a civilização, ora a modernidade ou seja, uma descendência linear, com desenvolvimento lógico.

A verdade é que o estereótipo construído no passado de que só é feliz a família constituída de pai, mãe e filhos, com vínculo biológico, vem perdendo espaço para a família afetiva, tendo inúmeras variações, seja as construídas por mãe e pais solteiros, por avós, novos casamentos, com indivíduos de mesmo gênero e assim sucessivamente, com grandes modelos e variações.

Assim lembrei do texto de Zygmunt Bauman que trata do amor líquido, o autor descreve que os relacionamentos afetivos na pós-modernidade estavam temperados pelo que ele chamou de “amor líquido” ou seja, relacionamentos instáveis, sem forma ou substância, efêmeros, em que o amor é tão transitório e, neste contraponto, passei a refletir sobre a fragilidade dos relacionamentos modernos.

As famílias adoeceram e estão cada vez mais soltas sem qualquer estrutura sólida, pois casam e descasam em questão de dias, geram filhos, que com o passar dos anos ficam adoecidos, trocam de parceiros como quem troca de escova de dentes, relações frágeis, descompromissadas com a moral e o Divino que existe nelas, em busca de uma felicidade externa, um almejado sucesso arraigado de vícios e prazeres mundanos que prometem sensações de satisfação pessoal.

Os meios de comunicação em massa propiciam os relacionamentos virtuais: através de mensagens, vídeos e fotos, relações começam e terminam, sem que muitas vezes haja qualquer contato físico entre os envolvidos, buscando uma satisfação momentânea de seus desejos, em detrimento de seu amadurecimento emocional, resumindo: frustrações não são mais suportadas.

O ser humano busca na individualidade o crescimento e esquece que é no outro que se funde, que engrandece e se espelha, ou seja, que evolui.

Um simples “clique” faz com que as pessoas entrem ou saiam da vida das outras, poupando-as de frustrações indesejadas – e também, muitas vezes, da profundidade necessária ao saudável estabelecimento dos vínculos.

O sexo casual é uma realidade frequente, sendo os desejos vividos com mais liberdade e sem tabus, muitas vezes desvinculados de quaisquer compromissos amorosos ou familiares, sem ter qualquer noção de que a energia do sexo é que traz a vida e vincula as pessoas, gerando dores, sofrimento para todo sistema familiar.

Dia a dia cresce o número de pessoas que decidem enfrentar sozinhas as agruras da vida, achando que na solidão acessaram a tão famigerada felicidade, restando à sociedade adaptar-se às escolhas: de imóveis a pet shop, passando pelas redes sociais, o “mercado da solidão” cresce e rende muito, com cursos, terapias e novas veias de mercados.

Assim, o direito também evolui e novos arranjos familiares surgem como: monoparental, homoafetiva, socioafetiva, monuclear, simultânea, substituta, eudemonista, pluriparental, e lutem os operadores do direito e o judiciário para jurisdicionalizar tantos imbróglios familiares.

Des­te mo­do, “no pe­que­no gru­po do­més­ti­co” ini­cia-se a ex­pe­ri­ên­cia da fra­ter­ni­da­de uni­ver­sal, en­sai­an­do-se os pas­sos pa­ra os no­bres co­me­ti­men­tos em fa­vor da cons­tru­ção da so­ci­e­da­de equi­li­bra­da e a evolução pessoal de cada um que está plantada no inconsciente coletivo.

O que sinto é que a fa­mí­lia vem per­den­do dia após dia as ca­rac­te­rís­ti­cas de san­tu­á­rio, de es­co­la, de ofi­ci­na de apri­mo­ra­men­to, pa­ra trans­for­mar-se em pal­co de afli­ções e dis­putas vingativas sem no­me, re­sul­tan­do, di­ver­sas ve­zes, em tra­gé­di­as do­lo­ro­sas não só para os filhos, mas, para a sociedade que cada vez mais adoece, tudo em fa­ce da in­sen­sa­tez dos seus mem­bros.

Juliane Silvestri Beltrame

Especialista em Direito das Famílias

Sócia do Escritório Beltrame & SIlvestri - advocacia

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