FAMÍLIAS LÍQUIDAS
A família mudou e
sempre vai mudar.
Ocorre que de uns
tempos para cá, tudo se transforma do dia para noite, e em um piscar de olhos mais
uma família é dissolvida.
Para uma advogada
familiarista, realizar um divórcio por semana já virou rotina, apesar de buscar
o meio sistêmico para mudar esse padrão, ou tentar minimizar os números.
A família nasceu da ideia de que os
seres vivos se unem e criam vínculos uns com os outros desde sua origem, seja
em decorrência do instinto de perpetuação da espécie, seja pelo desejo de não
viver só, a ponto de se ter por natural, muitas vezes, a ideia de que a
felicidade só pode ser encontrada a dois.
A religião também influenciou a construção da
família e da instituição casamento, o certo é que tudo é na base da escala, ou
seja, ora com raízes no período da barbárie, ora o da selvageria, ora a
civilização, ora a modernidade ou seja, uma descendência linear, com
desenvolvimento lógico.
A verdade é que o estereótipo construído no
passado de que só é feliz a família constituída de pai, mãe e filhos, com vínculo
biológico, vem perdendo espaço para a família afetiva, tendo inúmeras
variações, seja as construídas por mãe e pais solteiros, por avós, novos
casamentos, com indivíduos de mesmo gênero e assim sucessivamente, com grandes
modelos e variações.
Assim lembrei do texto de Zygmunt Bauman que trata do amor líquido, o autor
descreve que os relacionamentos afetivos na pós-modernidade estavam temperados
pelo que ele chamou de “amor líquido” ou seja, relacionamentos instáveis, sem
forma ou substância, efêmeros, em que o amor é tão transitório e, neste
contraponto, passei a refletir sobre a fragilidade dos relacionamentos
modernos.
As famílias adoeceram e estão cada vez mais soltas
sem qualquer estrutura sólida, pois casam e descasam em questão de dias, geram
filhos, que com o passar dos anos ficam adoecidos, trocam de parceiros como
quem troca de escova de dentes, relações frágeis, descompromissadas com a moral
e o Divino que existe nelas, em busca de uma felicidade externa, um almejado
sucesso arraigado de vícios e prazeres mundanos que prometem sensações de
satisfação pessoal.
Os meios de comunicação em
massa propiciam os relacionamentos virtuais: através de mensagens, vídeos e
fotos, relações começam e terminam, sem que muitas vezes haja qualquer contato
físico entre os envolvidos, buscando uma satisfação momentânea de seus desejos,
em detrimento de seu amadurecimento emocional, resumindo: frustrações não são
mais suportadas.
O ser humano busca na
individualidade o crescimento e esquece que é no outro que se funde, que
engrandece e se espelha, ou seja, que evolui.
Um simples “clique” faz com que as pessoas
entrem ou saiam da vida das outras, poupando-as de frustrações indesejadas – e
também, muitas vezes, da profundidade necessária ao saudável estabelecimento
dos vínculos.
O sexo casual é uma realidade
frequente, sendo os desejos vividos com mais liberdade e sem tabus, muitas
vezes desvinculados de quaisquer compromissos amorosos ou familiares, sem ter
qualquer noção de que a energia do sexo é que traz a vida e vincula as pessoas,
gerando dores, sofrimento para todo sistema familiar.
Dia a dia cresce o número de
pessoas que decidem enfrentar sozinhas as agruras da vida, achando que na
solidão acessaram a tão famigerada felicidade, restando à sociedade adaptar-se
às escolhas: de imóveis a pet shop, passando pelas redes sociais, o “mercado da
solidão” cresce e rende muito, com cursos, terapias e novas veias de mercados.
Assim, o direito também evolui
e novos arranjos familiares surgem como: monoparental, homoafetiva,
socioafetiva, monuclear, simultânea, substituta, eudemonista, pluriparental, e
lutem os operadores do direito e o judiciário para jurisdicionalizar tantos
imbróglios familiares.
Deste modo, “no pequeno
grupo doméstico” inicia-se a experiência da fraternidade universal,
ensaiando-se os passos para os nobres cometimentos em favor da construção
da sociedade equilibrada e a evolução pessoal de cada um que está
plantada no inconsciente coletivo.
O que sinto é que a família
vem perdendo dia após dia as características de santuário, de escola,
de oficina de aprimoramento, para transformar-se em palco de aflições
e disputas vingativas sem nome, resultando, diversas vezes, em tragédias
dolorosas não só para os filhos, mas, para a sociedade que cada vez mais
adoece, tudo em face da insensatez dos seus membros.
Juliane Silvestri Beltrame
Especialista em Direito das
Famílias
Sócia do Escritório Beltrame & SIlvestri - advocacia