Quinta-Feira, 1 de Abril de 2010 - 07h40
As microempresas – ME e as empresas de
pequeno porte – EPP, com a edição da Lei Complementar Federal n. 123, de 2006,
passaram a ter direito a um tratamento diferenciado nas licitações
desenvolvidas pelos órgãos públicos, inclusive pelos Municípios. Passados quase
quatro anos da edição do estatuto nacional da pequena empresa, como são
conhecidas as ME e EPP (cuja receita bruta anual é inferior a R$ 2.400.000,00)
ainda resistem algumas celeumas e divergências de interpretação na aplicação
deste diploma legal.
O tratamento diferenciado às pequenas
empresas não fere a isonomia no procedimento licitatório, uma vez que decorre
de previsão constitucional, que no seu art. 170, inciso IX define que “A ordem
econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem
por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça
social, observados os seguintes princípios: IX - tratamento favorecido para as
empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua
sede e administração no País.”
Não bastasse a elevação do tratamento
diferenciado às pequenas empresas a princípio constitucional, temos que pelo
disposto no art. 179 da mesma CF, “A União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim
definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las
pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias,
previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de
lei.”
Com efeito, é obrigação dos Municípios
aplicar a legislação que garante um tratamento jurídico diferenciado às
pequenas empresas na realização de quaisquer modalidades de licitação.
E quais são os benefícios da Lei
Complementar n. 123/2006 para as ME e EPP nas licitações realizadas pelos Municípios?
O tratamento diferenciado, em matéria de
licitações, está regrado, basicamente, no Capítulo V da Lei Complementar n.
123.
Um dos pontos principais é a norma que
permite que as empresas caracterizadas como ME ou EPP comprovem a regularidade
fiscal (certidões negativas de débito municipal, estadual, federal, FGTS e
contribuições previdenciárias), quando da contratação com o ente público (art.
42 da LC 123/2006). Isso não significa dizer que estão as ME ou EPP isentas de
apresentar a documentação pertinente à regularidade fiscal, junto com as demais
licitantes, na data fixada no edital ou na carta convite (art. 43, da LC
123/2006). Ocorre que se existir alguma restrição na regularidade fiscal,
deverá ser conferido, pelo órgão licitante, o prazo de 2 (dois) dias úteis,
prorrogável por mais 2 (dois) dias úteis, a critério da Administração, para que
comprovem a regularidade fiscal. Deve-se atentar para o fato de que o prazo
acima será contado a partir da data em que for declarada vencedora do certame.
Nesse prazo, deve providenciar a regularização da documentação, pagamento ou
parcelamento do débito e emissão de eventuais certidões negativas ou positivas
com efeitos de negativas (art. 43, § 1º da LC 123/2006).
Assim, se a licitação for realizada nas
modalidades de convite ou tomada de preços, onde a fase de habilitação é
anterior à das propostas de preço, mesmo estando a ME ou a EPP com
irregularidade na documentação fiscal, deve ser habilitada para a fase
subseqüente do certame, eis que o prazo para a regularização fiscal somente se
iniciará após a declaração da proposta da ME ou da EPP como vencedora do
certame. Na modalidade do Pregão, a fase da habilitação é posterior à da
análise das propostas financeiras, sendo que o prazo para a regularização se iniciará,
também, a partir da data em que for declarada vencedora do certame.
Caso a pequena empresa não regularize a
documentação fiscal que apresenta restrições, decairá o seu direito de
contratar com o Município, podendo, inclusive, responder pelas sanções do art.
81 da Lei de Licitações. Nesta situação, a Administração estará autorizada a
convocar os licitantes, pela ordem de classificação para contratar com o
Município (Art. 43, § 2º da Lei 123/2006).
Além disso, o estatuo da pequena empresa
criou, em benefícios destas, uma espécie de empate fictício em relação às
propostas de preço.
Isso mesmo. De acordo com Marçal Justen
Filho, cuja doutrina em matéria de licitações e contratos administrativos está
entre as mais destacadas no País, “Reputa-se existente empate quando a proposta
apresentada por uma pequena empresa for até 10% superior à melhor proposta
(formulada por um licitante comum). Isso nas licitações da Lei 8.666/93, já que
no pregão a margem da diferença será reduzida para 5%. Verificado o empate
ficto, deverá ser aberta a oportunidade para a pequena empresa formular uma
proposta (ou um lance, no pregão) de valor mais reduzido. Se existirem
propostas formuladas por diversas pequenas empresas na margem de 10% (ou de 5%,
em caso de pregão), a prerrogativa será assegurada à melhor classificada. Mas,
se houver recusa ao seu exercício ou se a contratação com ela não vier a
ocorrer por algum motivo, será concedida oportunidade à licitante classificada
imediatamente após para exercitar a mesma faculdade.” (Curso de Direito
Administrativo, 4ª ed., Saraiva, 2009, p. 422).
Estas duas alterações trazidas pela Lei
Complementar n. 123, são as que estão sendo mais usualmente utilizadas pelos
Municípios, em que pese algumas divergências de interpretação. Ditas alterações
se encontram em plena vigência desde 15 de dezembro de 2006.
Agora, é bom salientar, que a Lei
Complementar n. 123 criou a figura da licitação por especialidade, em função do
princípio do tratamento diferenciado.
Por esta inovação, é possível ao
Município a realização de licitação onde sejam aceitas como participantes
apenas microempresas ou empresas de pequeno porte. Numa outra espécie, é
possível também que o Município determine numa licitação para a contratação de
obras e serviços, por exemplo, que a empresa vencedora obrigatoriamente
subcontrate pequenas empresas para executar uma parte do contrato. E ainda, uma
terceira hipótese é a do fracionamento do objeto licitado, para permitir que
uma parcela das aquisições ou contratações do Município sejam feitas
exclusivamente junto às pequenas empresas.
As três situações aqui tratadas, embora
reguladas na Lei Complementar Federal n. 123, não são auto-aplicáveis. Ou seja,
caso o Município decida implantá-las deve regulamentar os procedimentos mediante
lei municipal. Neste caso, entendo ser inviável a regulamentação por decreto,
eis que se tratam normas específicas em matéria de licitação, que reclamam a
disciplina por lei.
Existem sérias dúvidas com relação à constitucionalidade destas três inovações acima destacadas, razão pela qual os Municípios, ou seja, o Poder Executivo que elaborará o projeto de lei e o Poder Legislativo que sobre ele deliberará, devem ter redobrado cuidado na regulamentação, para evitar prejuízos e afronta aos princípios constitucionais que regem a licitação, em especial a isonomia e a escolha da proposta mais vantajosa para a Administração.