01 de Abril de 2010 - 17h14

Pequenas empresas e licitações

Pequenas empresas e licitações

Quinta-Feira, 1 de Abril de 2010 - 07h40


As microempresas – ME e as empresas de pequeno porte – EPP, com a edição da Lei Complementar Federal n. 123, de 2006, passaram a ter direito a um tratamento diferenciado nas licitações desenvolvidas pelos órgãos públicos, inclusive pelos Municípios. Passados quase quatro anos da edição do estatuto nacional da pequena empresa, como são conhecidas as ME e EPP (cuja receita bruta anual é inferior a R$ 2.400.000,00) ainda resistem algumas celeumas e divergências de interpretação na aplicação deste diploma legal.

O tratamento diferenciado às pequenas empresas não fere a isonomia no procedimento licitatório, uma vez que decorre de previsão constitucional, que no seu art. 170, inciso IX define que “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.”

Não bastasse a elevação do tratamento diferenciado às pequenas empresas a princípio constitucional, temos que pelo disposto no art. 179 da mesma CF, “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.”

Com efeito, é obrigação dos Municípios aplicar a legislação que garante um tratamento jurídico diferenciado às pequenas empresas na realização de quaisquer modalidades de licitação.

E quais são os benefícios da Lei Complementar n. 123/2006 para as ME e EPP nas licitações realizadas pelos Municípios?

O tratamento diferenciado, em matéria de licitações, está regrado, basicamente, no Capítulo V da Lei Complementar n. 123.

Um dos pontos principais é a norma que permite que as empresas caracterizadas como ME ou EPP comprovem a regularidade fiscal (certidões negativas de débito municipal, estadual, federal, FGTS e contribuições previdenciárias), quando da contratação com o ente público (art. 42 da LC 123/2006). Isso não significa dizer que estão as ME ou EPP isentas de apresentar a documentação pertinente à regularidade fiscal, junto com as demais licitantes, na data fixada no edital ou na carta convite (art. 43, da LC 123/2006). Ocorre que se existir alguma restrição na regularidade fiscal, deverá ser conferido, pelo órgão licitante, o prazo de 2 (dois) dias úteis, prorrogável por mais 2 (dois) dias úteis, a critério da Administração, para que comprovem a regularidade fiscal. Deve-se atentar para o fato de que o prazo acima será contado a partir da data em que for declarada vencedora do certame. Nesse prazo, deve providenciar a regularização da documentação, pagamento ou parcelamento do débito e emissão de eventuais certidões negativas ou positivas com efeitos de negativas (art. 43, § 1º da LC 123/2006).

Assim, se a licitação for realizada nas modalidades de convite ou tomada de preços, onde a fase de habilitação é anterior à das propostas de preço, mesmo estando a ME ou a EPP com irregularidade na documentação fiscal, deve ser habilitada para a fase subseqüente do certame, eis que o prazo para a regularização fiscal somente se iniciará após a declaração da proposta da ME ou da EPP como vencedora do certame. Na modalidade do Pregão, a fase da habilitação é posterior à da análise das propostas financeiras, sendo que o prazo para a regularização se iniciará, também, a partir da data em que for declarada vencedora do certame.

Caso a pequena empresa não regularize a documentação fiscal que apresenta restrições, decairá o seu direito de contratar com o Município, podendo, inclusive, responder pelas sanções do art. 81 da Lei de Licitações. Nesta situação, a Administração estará autorizada a convocar os licitantes, pela ordem de classificação para contratar com o Município (Art. 43, § 2º da Lei 123/2006).

Além disso, o estatuo da pequena empresa criou, em benefícios destas, uma espécie de empate fictício em relação às propostas de preço.

Isso mesmo. De acordo com Marçal Justen Filho, cuja doutrina em matéria de licitações e contratos administrativos está entre as mais destacadas no País, “Reputa-se existente empate quando a proposta apresentada por uma pequena empresa for até 10% superior à melhor proposta (formulada por um licitante comum). Isso nas licitações da Lei 8.666/93, já que no pregão a margem da diferença será reduzida para 5%. Verificado o empate ficto, deverá ser aberta a oportunidade para a pequena empresa formular uma proposta (ou um lance, no pregão) de valor mais reduzido. Se existirem propostas formuladas por diversas pequenas empresas na margem de 10% (ou de 5%, em caso de pregão), a prerrogativa será assegurada à melhor classificada. Mas, se houver recusa ao seu exercício ou se a contratação com ela não vier a ocorrer por algum motivo, será concedida oportunidade à licitante classificada imediatamente após para exercitar a mesma faculdade.” (Curso de Direito Administrativo, 4ª ed., Saraiva, 2009, p. 422).

Estas duas alterações trazidas pela Lei Complementar n. 123, são as que estão sendo mais usualmente utilizadas pelos Municípios, em que pese algumas divergências de interpretação. Ditas alterações se encontram em plena vigência desde 15 de dezembro de 2006.

Agora, é bom salientar, que a Lei Complementar n. 123 criou a figura da licitação por especialidade, em função do princípio do tratamento diferenciado.

Por esta inovação, é possível ao Município a realização de licitação onde sejam aceitas como participantes apenas microempresas ou empresas de pequeno porte. Numa outra espécie, é possível também que o Município determine numa licitação para a contratação de obras e serviços, por exemplo, que a empresa vencedora obrigatoriamente subcontrate pequenas empresas para executar uma parte do contrato. E ainda, uma terceira hipótese é a do fracionamento do objeto licitado, para permitir que uma parcela das aquisições ou contratações do Município sejam feitas exclusivamente junto às pequenas empresas.

As três situações aqui tratadas, embora reguladas na Lei Complementar Federal n. 123, não são auto-aplicáveis. Ou seja, caso o Município decida implantá-las deve regulamentar os procedimentos mediante lei municipal. Neste caso, entendo ser inviável a regulamentação por decreto, eis que se tratam normas específicas em matéria de licitação, que reclamam a disciplina por lei.

Existem sérias dúvidas com relação à constitucionalidade destas três inovações acima destacadas, razão pela qual os Municípios, ou seja, o Poder Executivo que elaborará o projeto de lei e o Poder Legislativo que sobre ele deliberará, devem ter redobrado cuidado na regulamentação, para evitar prejuízos e afronta aos princípios constitucionais que regem a licitação, em especial a isonomia e a escolha da proposta mais vantajosa para a Administração.

Compartilhar:

Veja também

Todos os direitos reservados. Campo Erê.com. 2024